quinta-feira, 16 de agosto de 2018

UMA CARTA DE RAUL TEIXEIRA - Jaime Ribeiro



Era uma tarde de domingo quente em Recife. 

Naquele dia eu estava muito animado para ver, novamente, um dos melhores oradores espíritas do Brasil. 

Apesar da minha pouca idade, dezessete anos, já tinha assistido inúmeras palestras doutrinárias, incluindo as fabulosas falas que foram destaques do Congresso Internacional de Espiritismo, em Brasília. 

Preparei-me cuidadosamente para ir a FEP, a Federação Espírita Pernambucana, que fica no Bairro da Encruzilhada, em Recife. Coloquei uma roupa especial, fiz uma prece e me dirigi para o ponto do ônibus. 

A comunidade espírita pernambucana estava em festa. O conferencista fluminense Raul Teixeira falaria para um grande público naquele dia. 

Ao longo do caminho, só pensava em sentar nos primeiros lugares, para poder olhar de perto aqueles olhos verdes penetrantes de Raul e absorver tudo que ele tinha para nos falar. 

O sonho da minha vida era ser igual ao Raul. Estudar a doutrina espírita ainda mais do que eu já estudava, para que eu pudesse absorver e aprender o máximo possível da sua mensagem, para mudar a vida das pessoas; consolar aqueles que estivessem aflitos e gritar para o mundo que a morte não existia e que éramos muito maiores do que conseguíamos ver ou tocar. 

Eu era um adolescente curioso, que adorava entender as possibilidades do espírito e do chamado mundo paranormal. Mas, desde criança, sonhava em pesquisar sobre a vida em outros planetas e divagava sobre questões filosóficas simples. 

Antes de conhecer a doutrina espírita, com quase treze anos de idade, me dedicava a ler sobre ciências ocultas, astrologia e predições. Achava todo aquele conhecimento fantástico, mas minha alma científica ainda observava todo aquele conteúdo com certa desconfiança, como se estivesse faltando um elo para me conectar àquela cadeia de conhecimentos. 

Naquela época de muita curiosidade, conheci o espiritismo. 

Em um dos muitos dias da minha pré-adolescência, no qual me desentendi com a minha mãe, achando que não era amado ou compreendido, me retirei para a casa da minha avó, Cleonice. 

Na tarde seguinte, minha avó não quis me deixar em casa sozinho, senão eu acabaria com toda comida da casa em apenas uma tarde, portanto, não teve outra saída a não ser me levar com ela, para a sua tarefa de caridade na Creche Espírita Missionários da Luz, no Bairro do Pina, em Recife. 

Chegando lá assistimos à palestra juntos. A abertura foi a leitura do livro Sinal Verde, do espírito André Luiz, por Chico Xavier; seguida pela explicação do livro O que é o Espiritismo, de Allan Kardec. 

Após a ótima fala da palestrante, olhei para ela e pedi: 
- Vó, por favor, compra esses dois livros para mim? - Ela me falou que tinha em casa e poderia me emprestar. Claro que não acreditei nela. Estava acostumado com os adultos dizendo que compram depois e esperam as crianças e jovens esquecerem-se da promessa. rss ...Quando chegamos à casa dela, para minha surpresa, ela os tinha. Li o livro de André Luiz em apenas uma tarde e o outro em uma semana. 

Foi assim que me tornei espírita. 

Naquela semana, consegui encontrar a lógica que sempre procurei nos textos espiritualistas e nas religiões tradicionais que não me convenciam com seus dogmas, adorrnos e rituais. Hoje eu respeito qualquer manifestação religiosa, do fundo do meu coração, mas como criança tinha muita dificuldade em entender o senta e levanta das cerimônias. 

A palestra de Raul foi maravilhosa. Abordou a necessidade do investimento de tempo dos adultos para apoiar e desenvolver a juventude espírita e da observação da codificação espírita para sustentar o desenvolvimento de todos os aspectos da doutrina. No final, aplaudimos todos de pé. 

Quando terminou, ao invés de ir para casa, fui direto para a casa da minha avó, contar como havia sido a reunião. Falei sobre a forma maravilhosa no qual Raul expõe a doutrina e contei que eu e alguns amigos estávamos organizando um grandioso evento para jovens espíritas. Disse animado que o meu plano era convidá-lo para ser o palestrante da abertura. 

O plano era fazer um evento no estilo do antigo Forespe, ou parecido com o atual Simespe, mas todo concebido pelos jovens. Entendíamos que, apesar de os adultos saberem que precisavam olhar para a juventude e a infância, a forma como enxergavam nossas necessidades de engajamento com a doutrina eram diferente da maneira que nós mesmos nos enxergávamos no movimento. Em nossa opinião, era preciso mais do que salas de evangelização ou chamar o departamento de DIJ ou de mocidade. Queríamos voz e mais conteúdo para a juventude. 

A minha avó, simpaticamente falou: - O Raul está hospedado na casa da minha grande amiga Darci, lá em Olinda, bem ao lado daquela minha casa antiga. Você quer encontrar com ele? 

Eu nem acreditei naquilo. Achei que era brincadeira, mas minha avó não era muito adepta à piadas. Eu só achava aquilo impossível. Claro que respondi que sim. Imediatamente ela ligou para sua amiga. Após cinco minutos, desligou o telefone e disse: - Junior, o Raul estará esperando por você amanhã à tarde, às 15 horas. 

No outro dia à tarde eu estava lá, pontualmente. Quando surgiu na sala o Raul. Com uma camisa clara quadriculada, uma calça marrom e uma sandália de couro, parecia que estava na própria casa e, como diria Divaldo Franco, vestido de forma simples, mas distinta. Apresentamo-nos e logo em seguida, falei sobre sua palestra do dia anterior, comentando alguns pontos mais impactantes para mim. Falei que gostava da forma como ele apresentava o pensamento de Kardec e a necessidade do movimento espírita retornar sempre à consulta da codificação, quando houvesse algum ponto de dúvida. 

Falei para ele da necessidade do estudo das obras de Kardec, numa época em que as instituições da época, pareciam ter encontrado mais facilidade de aplicação doutrinária, em especial aos assuntos que concernem à prática mediúnica. Em seguida, contei sobre o plano do evento, apresentando-o a programação do mesmo. Comentei que a principal motivação daquela grande reunião era conscientizar os jovens sobre a necessidade de estudo das obras básicas, para que o espiritismo não sofresse qualquer adaptação ou mudança de rumo, por causa de qualquer afastamento do pensamento do codificador. 

Após a nossa conversa agradável sobre o movimento espírita, ficamos de conversar sobre o evento após alguns meses e trocamos endereço para correspondência. 

Disse para Raul que pretendia escrevê-lo, sempre que houvesse alguma dúvida sobre grandes questões. Naquela época, não existia e-mail, muito menos celular, imaginem Whatsapp! Rs 

No outro dia, tive mais uma surpresa. A minha avó me ligou e disse que tinha um recado dele para mim: - A Darci me ligou e disse que o Raul ficou muito feliz com a conversa que vocês tiveram. Falou que ficava muito animado em conhecer jovens que estudavam a doutrina com tanto entusiasmo. - Em seguida, minha avó me falou outra coisa que ele me falou. Como uma predição que eu não contarei aqui nesse relato. 

Eu fiquei muito feliz com o que ele disse. Não sei se era algum tipo de vaidade, alegria ou felicidade. Orei. Senti-me recompensando pela dedicação à doutrina e agradecido pela benção de ter sido apresentado a esses conhecimentos maravilhosos que mudam a vida das pessoas. 

Durante muito tempo me perguntava o que aquilo queria dizer. Se eu seria famoso, se eu seria um grande médium, ou coisa desse tipo, mas logo percebi que aquele recado era uma mensagem que demoraria o tempo de Deus para se encaixar. 

Alguns meses depois, recebi uma carta de Raul. Nessa missiva ele falava a mesma coisa que a Darci tinha falado para a minha avó e me dizia que estava disponível. Que no dia que chegasse o grande momento que ele me falou, eu o escrevesse para dizer se ele estava certo, na sua previsão. 

Aos 21 anos fundei um grupo de estudos espíritas, em seguida entrei na faculdade de engenharia, comecei a namorar, me afastei do movimento, por falta generalizada de agenda. Aos poucos fui me afastando e o mundo me levando. Fui morar no exterior, voltei, comecei a trabalhar 15 horas por dia, esqueci da minha espiritualidade. Aos 24 anos eu estava completamente fora do movimento espírita, mas a doutrina continuava dentro de mim. 

Após quase trinta anos, encontrei com o Raul ao lado de Divaldo no camarim do Simespe. Olho nos olhos dele e digo: - Você me escreveu. Eu gostaria de dizer que fiquei anos longe, mas que há dois anos estou de volta. Fui carregado nos braços pelo Luiz Saegusa e pelo Rossandro Klinjey. A doutrina me recebeu como quem recebe o filho pródigo de volta. Voltei devagarinho, acanhado e de cabeça baixa, mas, nesse pouco tempo de retorno, já fiz palestras em quatro cidades diferentes do mundo, incluindo Londres, Chicago e Nova York. Raul, a hora que você previu está chegando. Este ano eu lanço meus dois primeiros livros e pretendo servir ao Cristo com todo o meu amor e energia. Com a pressa de quem está atrasado, mas com a certeza de que a confiança da espiritualidade amiga está ao meu lado. 

No Simespe de 2019 eu quero dizer ao Raul, olhando nos seus olhos: - Você estava certo. A sua previsão era verdadeira!

Jaime Ribeiro


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