Sede ardentes na propagação da
nova fé. – Allan Kardec – Revista Espírita – Edição de abril de 1860.
Alguns meses
atrás, um amigo da época a da juventude espírita me procurou para pedir dicas
de boas palestras doutrinárias no Youtube.
Obviamente eu já tinha uma lista das minhas palestras preferidas, incluindo
clássicas de Divaldo, Raul Teixeira e Rossandro. Compartilhei com ele a minha pasta e disse
que em breve gostaria de conversar sobre aquele conteúdo. Eu gosto de conversar
com os meus amigos sobre as palestras assistidas. Acho esse hábito tão
prazeroso quanto assistir meus palestrantes preferidos falarem.
Uma semana
depois, meu amigo me procurou pelo chat do facebook
dizendo que precisava de mais palestras. Eu, que sou muito curioso,
perguntei se o pessoal do centro que ele frequentava não compartilhava
conteúdos, assim como fazem meus amigos e irmãos da Sociedade de Estudos
Espíritas de Chicago, que estão sempre trocando temas relevantes entre si e
indicando palestras maravilhosas em nosso grupo de whatsapp.
Para minha
surpresa, ele falou que não estava frequentando um centro espírita. Contou que
tinha tentado se vincular a uma casa, mas não conseguiu se identificar com as
instituições que ficam próximas à sua casa. Alegou que as reuniões eram pouco
motivadoras. Para usar suas próprias palavras: “acho que as pessoas falam com muito boa
vontade, mas não se dedicam a preparar o tema de maneira cuidadosa, envolvendo
a atualidade e aprofundando, com o devido empenho, o ensino da Doutrina
Espírita”.
Insisti para que
ele procurasse outra casa espírita, mesmo que longe de sua residência, com o
objetivo de não abrir mão de sua tarefa. Falei que ele poderia também
permanecer na mesma casa que frequentou e se disponibilizar para ajudar a instituição
no desenvolvimento e organização doutrinária. Claro que sei que muitas vezes
essa tarefa é muito difícil. Não pensem que eu não estou familiarizado com a
dificuldade que todos aqueles que querem trabalhar encontram no processo de
escolha da casa do coração. Nós espíritas somos especialistas em atender
aqueles que sofrem e precisam de nosso concurso, mas ainda precisamos aprender
muito sobre como lidar com nossos irmãos de crença, dentro da própria casa
espírita. Mesmo assim, tenho
inúmeros argumentos para explicar porque desistir do movimento espírita é
sempre a pior decisão a se tomar.
Não precisamos
ir muito longe para entender porque temos a necessidade, até mesmo exigência
espiritual, de nos congregarmos nas nossas instituições. Basta lembrarmos o dia
no qual cada um de nós chegou pela primeira vez a uma casa espírita.
Eu por
exemplo, quando cheguei ao Missionários da Luz, instituição que fica no bairro
do Pina, em Recife, fui profundamente impactado pela palestra do dia. Desde a
maravilhosa introdução com uma mensagem do livro Respostas da Vida, até a assertiva palestra sobre o livro O que é o Espiritismo. Já sai de lá
espírita. Imagino que cada um de nós também tenha uma história incrível para
contar sobre o dia no qual se tornou espírita.
Pode ser que esse dia tenha ocorrido em um período de muito sofrimento e
amargura em nossas vidas, mas tenho certeza que se tornou inesquecível para cada um de nós. Foi na casa
espírita que encontramos o conforto das palavras do consolador prometido por
Jesus e mudamos a nossa vida para sempre.
Seja por
curiosidade ou por sofrimento, fomos acolhidos e contemplados com a
oportunidade de assumir o nosso posto, previamente combinado no mundo
espiritual, para cumprir a urgente tarefa de acelerar a transição do nosso
planeta para mundo de regeneração.
O que nos faz
pensar que não devemos fazer o mesmo por aqueles que estão sofrendo agora ou
que ainda não encontraram a conexão espiritual necessária para se juntar ao
nosso grupo de trabalhadores da última hora?
O professor Herculano Pires, em sua obra O Centro Espírita, fala que “se os espíritas soubessem o que é o Centro
Espírita, quais são realmente as suas funções e a sua significação, o
Espiritismo seria hoje o mais importante movimento cultural e espiritual da
Terra”. Não há dúvidas de que precisamos
estar juntos para continuarmos divulgando, estudando e vivendo a Doutrina
Espírita.
Às vezes, nos desapontamos com o movimento e tentamos separar a Doutrina
das pessoas. Isso ocorre porque, na hora da decepção, esquecemos que a Doutrina
é dos espíritos, como diz seu próprio nome. Pode até parecer redundante relembrar
isso, mas nós também somos espíritos.
O Espiritismo também precisa das pessoas, para que sua tarefa seja
cumprida. A Doutrina não é apenas uma
mensagem de transformação individual, ela tem a proposta de redenção coletiva.
Reduzir o espiritismo ao plano individual de cada um é tentar isolar uma
mensagem que usa a transformação íntima para impactar a humanidade.
Importante que lembremos também que o Espiritismo não pode ser vivido sem
a realização da sua maior máxima: “Fora
da Caridade Não Há Salvação”. É impossível exercitar a caridade sem o
convívio humano. Somos seres únicos, mas fomos criados para viver em
comunidade. Todo espírito está inevitavelmente submetido à lei do progresso,
essa sublime lei da vida.
Tudo pode começar de uma forma imperceptível. Acontece um desapontamento,
depois outro e, por fim, como sabemos que somos espíritas e que nada abalará a
nossa crença, até mesmo a falta da convivência no centro espírita, optamos por
ficar em casa. Quando nos damos conta, estamos completamente envolvidos na
intensa rotina do dia a dia e aos poucos nos afastamos das práticas
doutrinárias. Dessa forma, mesmo não duvidando dos princípios básicos, mesmo
sentindo a Doutrina pulsando dentro de nós, a ligação vai se tornando tênue e, sem
perceber, rebaixamos ao segundo plano tudo aquilo que outrora nos fortaleceu e
ressignificou a nossa vida.
Assim nos transformamos em Espíritas
de Sofá. Passamos a adorar a Doutrina, compartilhamos mensagens positivas
nas redes sociais, nos declaramos espíritas ao IBGE, mas não entregamos o
melhor que podemos de nós mesmos para que a Doutrina que amamos alcance o coração
daqueles que anseiam pelo conforto da mensagem do Cristo.
Todos nós sabemos que algumas instituições contam com desafios significativos
no campo do relacionamento humano. Quem nunca se perguntou como “aquela pessoa”
estava trabalhando na recepção dos assistidos, quando não apresentava habilidade
necessária ao trato social? Quem nunca se deparou com algum parente de
dirigente que quando tenta ajudar em qualquer tarefa, consegue desajustar os
demais envolvidos no trabalho ou até mesmo convencer pessoas novas a irem embora do centro? Em
algumas instituições parece até que a pessoa está presente em todas as tarefas
do centro e torna-se impossível evitar o contato com ela.
Quando observamos essas situações de uma forma simplificada, esquecemos que
mesmo essas pessoas difíceis, se encontram em lutas íntimas para se tornarem
indivíduos melhores. Somos todos necessitados de compreensão e respeito em
nossas deficiências e inabilidades. Temos que ter caridade e capacidade de
enxergar o mundo ao nosso redor com sabedoria e humildade. Muitas vezes,
precisamos apoiar essas pessoas difíceis, procurando, com certa habilidade,
proporcioná-los o entendimento de como poderiam ajudar de uma forma mais
efetiva. Somos todos indivíduos em evolução. Cada um com suas batalhas no campo
do desenvolvimento íntimo. Graças a Deus temos essas pessoas por perto para nos
auxiliar. Imaginemos o quanto nós também temos traços de personalidade que
exigem esforço e indulgência daqueles que nos cercam. Precisamos vivenciar a
caridade e a empatia.
Eu sei que às vezes é uma luta. Só Jesus na causa! Sei que muitas vezes é
um erro de sensibilidade de gestão, por não perceber que algumas pessoas de boa
vontade podem atrapalhar a tarefa do bem. Contudo, afastar-se será sempre a
pior decisão para nós mesmos e para o Espiritismo. Nós nos comprometemos em
seguir essa Doutrina. Segui-la significa também preservá-la, divulgá-la e
vive-la dentro de nossas instituições.
Nos momentos atuais, sabemos a importância das palestras em formatos
digitais, para a propagação da Doutrina Espírita. Trabalhos como o do Rubens da
Web Rádio Fraternidade são essenciais para a divulgação doutrinária, proporcionando a todos o acesso a conteúdos, até então disponibilizados de uma forma muito limitada,
apenas para aqueles que podiam estar presentes nas palestras, ou para quem
comprasse o DVD do evento, quando o mesmo era gravado. As palestras que se hoje
encontram no Youtube são essenciais para que todos possam ter acesso às
mensagens de vários estudiosos da Doutrina espalhados ao redor do mundo. Em
especial para os mais jovens, o conteúdo em vídeo é o melhor formato para
proporcionar a multiplicação do conhecimento do pensamento espírita e gerar o
engajamento necessário ao movimento. Precisamos propagar e utilizar bastante os
recursos dos podcasts e vídeos
espíritas em geral, nas nossas permutas doutrinárias.
Não podemos permitir que a facilidade de acesso digital nos torne Espíritas
de Sofá. Precisamos voltar aos nossos lares, que são as instituições espíritas,
para ajudar na tarefa começada por Allan Kardec. Assim como Jesus precisa de
nós para multiplicar a sua palavra, Kardec e a legião do Espírito de Verdade,
conta conosco para que a mensagem do consolador prometido chegue aos corações
daqueles que ainda não a conhecem.
Até mesmo a pretexto de que alguns
centros espíritas não estão oferecendo
os níveis de trabalho que imaginamos que nossa intelectualidade é merecedora, não
deveríamos optar por abandoná-los. Temos a obrigação de dar nossa cota de
trabalho para levar conforto a quem necessita de uma palavra amiga e de
esclarecimento espiritual. É nosso dever apoiar as casas espíritas no
desenvolvimento de estudos que alimentem a sede de conhecimento daqueles que estão
em busca de beber na fonte de Kardec e Jesus.
Certamente, navegando na internet vamos encontrar bons conteúdos e
palestras de renomados nomes do movimento espírita. Contudo, apenas nas reuniões
e tarefas presenciais seremos capazes de extrair o melhor do que foi ensinado,
por essa Doutrina que nos respondeu tudo aquilo que queríamos saber e não
encontrávamos em qualquer outro lugar.
As casas espíritas precisam de nós, assim como nós um dia precisamos delas.
Façamos a nossa parte. Jesus conta conosco.
Temos muito trabalho pela
frente e estamos aqui para executá-los juntos.
Ei, você ainda está no sofá? Levanta
daí. J
Vem aqui se juntar à nossa tarefa.
Será uma alegria encontrá-los no Núcleo kardecista Antônio Pereira de Souza, em
São Paulo. Podemos também nos encontrar em alguma das escolas espalhadas pelo
Brasil que adotam o Programa Garrafas ao Mar, da Fraternidade sem Fronteiras. Vamos
juntos engajar as crianças brasileiras no trabalho voluntário para construir
escolas nas regiões mais pobres do planeta.
Trabalho é o que não falta! Vamos mudar o mundo?
Jaime Ribeiro é natural de Recife. Espírita desde a adolescência, é autor e palestrante. Trabalha como executivo da área de educação. É engenheiro químico formado pela Universidade Católica de Pernambuco e pós-graduado em marketing pela Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. Escreveu Dora, seu primeiro livro infantil, que aborda as habilidades socioemocionais para as crianças, usando a adoção animal como instrumento. Também é autor do livro Empatia – Por que as pessoas empáticas serão os futuros líderes do mundo? Que aponta a empatia como a habilidade que será mais valorizada pela sociedade, em um mundo cada vez mais dominado pela tecnologia e com maior fragilidade de laços entre as pessoas.