sexta-feira, 6 de abril de 2018

UMA BESTA ESPÍRITA - Por Antonio Demarchi

No ano de 1931, apenas no início de sua grandiosa jornada literária, Chico estava psicografando belíssimos poemas que seriam depois publicados em 1932, com o título de Parnaso de Além-Túmulo.

Eram poesias belíssimas assinadas por Augusto dos Anjos, Casimiro Cunha, João de Deus, entre outros nomes de respeito e sobejamente conhecidos no meio literário.

Um amigo do Chico, embora católico, havia ficado extremamente impressionado com o conteúdo denso dos versos e das rimas que havia lido. Ao tomar conhecimento de que um conhecido escritor mineiro na ocasião se encontrava em Pedro Leopoldo, conseguiu agendar um encontro com o médium, falando sobre a importância de um escritor conhecido dar sua opinião sobre as poesias psicografadas.

Ainda muito inexperiente e considerando a importância do aval de um escritor de renome sobre o que escrevia, Chico se animou trajando a melhor roupa que possuía para melhor impressionar o “dito” escritor.

No dia e horário aprazado, lá estava o Chico enfiado em uma calça de linho branco e em uma camisa de brim com um calhamaço de escritos debaixo do braço. Ao chegar, o amigo o apresentou:

— Este é o médium que lhe falei.

O intelectual olhou Chico de cima para baixo, cumprimentou-o e, em seguida, sem mais delongas, começou a ler as poesias. Deteve-se um pouco mais em algumas poesias, outras passou rapidamente sem dar muita atenção e finalmente sentenciou:

— Tudo isso é bobagem!

Olhou novamente para a figura de Chico, que naquela altura  estava extremamente constrangido, e cheio de empáfia, concluiu seu veredito:

— Este rapaz é uma besta!

Chico não sabia onde enfiar a cara de tanta vergonha, enquanto o amigo desenxabido ainda tentava argumentar:

— Mas, doutor, este rapaz é esforçado, tem boas intenções e abraça a Doutrina Espírita com convicção. É um médium espírita de valor!

Novamente o literato olhou Chico de cima para baixo e impiedosamente concluiu:

— Então é uma besta espírita!

E saiu sem dar mais atenção aos dois amigos, que ficaram olhando um para a cara do outro sem saber o que fazer. Chico foi embora muito agastado com aquela situação. Naquela noite durante a prece, sua mãezinha se apresentou. Ainda muito agastado, Chico não perdeu a oportunidade para ouvir um consolo de sua progenitora, que aparentemente parecia não estar a par do assunto. Chico, então, explicou a ela o ocorrido e esta, com um sorriso, respondeu:

— Não vejo motivo para você ficar chateado, meu filho.

— Ele me chamou de besta!

— E o que tem isso? — retrucou bem-humorada a mãezinha. — Besta é um animal muito útil e trabalha com disciplina, suportando o peso da carga com dignidade.

— Mas ele também me chamou de “besta espírita” — argumentou inconformado.

— Melhor ainda, meu filho! Imagine que você é uma besta a serviço do espiritismo, quanta carga haverá de suportar sem reclamar! Isto, sim, é importante, mas se a besta começar a dar coices para todo lado, ela deixa de ter serventia, será esquecida e deixada de lado.

Chico ficou pensativo com as palavras da mãe, que afagando seus cabelos, concluiu:

— Você não acha que fica bem assim? É melhor ser uma besta espírita que um “espírita besta”!

Antonio Demarchi

Texto do livro "Nas bênçãos de Chico Xavier"

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